02 julho 2008

POVO TRUKÁ



1- Ocupação territorial, descrição das aldeias, localização;


Os Truká encontram-se hoje localizados no médio Rio São Francisco, na divisa entre os estados de Pernambuco e da Bahia; Ilha de Assunção, município de Cabrobó/PE. “Em 2002 a terra foi delimitada com 5.769 ha, abrangendo a totalidade da ilha. Os Truká ainda aguardam, porém, a conclusão do processo demarcatório por meio da homologação do Presidente da República” [1]. Os Truká estão distribuídos por “25 aldeias e cada uma delas tem uma liderança ou mais de uma:

[1] http://www.socioambiental.org/





Caatinga grande
Jatobazeiro
Portões
Caatinguinha
Rendenção
Formosa
Caititu
Lama
Panela
Pambuzinho
Sabonete
Acauã
Urubu
Lagoa Branca
Ponta da Ilha
Cajueiro
Umbuzeiro
Sanção Velha
Canudinho
Riacho Fundo
Jibóia
Canudo
Coronheira
Camaleão
Lameirão CRC” [1]

[1] Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire. (no prelo)

2- Organização social, instituições, modelos de organização;

“O Povo Truká se organiza para que cada pessoa tenha uma função específica dentro do povo. A nossa organização política e religiosa é o centro da nossa luta. Ela é constituída pelas lideranças, Cacique, Pajé, conselheiros, conselheiras e Capitão.
Para ser liderança tem que trabalhar e ter fé na nossa religião e quem escolhe quem vai ser liderança é a comunidade.Estamos organizados em três áreas que denominamos de Retomada (Cabeça da Ilha), Caatinga Grande, Ponta da Ilha. Temos dois caciques: O cacique velho, Seu Quinca, e o cacique novo, Neguinho.
Nossos caciques atuam de forma autônoma, cada um cuida dos problemas das comunidades que pertencem à sua liderança. Seu Quinca, da Cabeça da Ilha e Caatinga Grande, e Neguinho, da Retomada.
Nas questões da luta mais ampla, aquelas que interessam a todas as aldeias, como representação e participação externa do povo nos espaços de discussão e controle das políticas públicas, não nos distinguimos por área, mas nos apresentamos como Povo Truká.
[...]

Na organização cada um tem sua responsabilidade:

O Cacique - é o nosso maior representante. É ele quem responde pelo povo e quem dá a direção à luta. É escolhido pelo povo e representa a comunidade juntamente com o Conselho de Lideranças diante do poder público, conferências, assembléias, seminários e outros espaços que discutem as questões indígenas. Ele também articula as lideranças e comunidade para tomadas de decisões e participa de todos os eventos do povo.

O Conselho de Lideranças - seus membros representam o povo em todas as instâncias públicas ou não. Resolvem questões internas, promovem eventos e articulam reuniões entre as comunidades. Cada aldeia escolhe seu líder para acompanhar o cacique e o capitão e é também papel das lideranças ouvir e serem ouvidas em todo e qualquer problema relacionado à aldeia.

Ressaltamos que as estratégias de luta no povo Truká se dão de forma coletiva, a exemplo das retomadas de terra que ora se deram de forma planejada, ora de repente.

O Capitão - é o responsável pelas atividades na ausência do cacique e deve fazer a vigília permanente em todo o território, cuidando da segurança da comunidade.

O Pajé - é membro do Conselho de Pajelança e cuida da ciência do povo. Ele é quem domina o saber das ervas medicinais que curam as enfermidades, aconselha e orienta o povo.

O Conselho de Pajelança e/ou Conselho de Ciências Ocultas - seus membros cuidam da religião e ciência do povo.

O Chefe do Ritual - é o responsável pela religião junto com o Pajé. É ele quem ensina as linhas de Toré e orienta a comunidade na religião, incentivando sempre que as crianças e jovens pratiquem o Toré. O Chefe de Terreiro é quem abre e fecha o ritual, ele não pode sair antes de terminar.

Os anciãos e anciãs - são a base fundamental da nossa organização social, pois são os mais velhos que dominam a história do povo, garantem sua transmissão através da oralidade, dão sustentabilidade a nossa luta, orientando as lideranças na condução nos caminhos a serem percorridos.
O Conselho de Saúde - temos dois conselhos que são compostos pelos membros da comunidade. Os conselhos se encontram sempre que necessário para definirem ações conjuntas referentes à saúde do nosso povo. Além das questões na aldeia, são os
conselheiros que participam de um conselho regional, junto com os índios de outros povos para juntos propor, acompanhar e fiscalizar a política nacional de saúde.

A Organização dos/as Professores/as Indígenas Truká (OPIT) - a coordenação é composta por quatorze professoras do povo e duas lideranças. A OPIT tem como atribuições: representar os professores (as) em tudo que diz respeito à educação diante do Poder Público, da comunidade e demais organizações; resolver questões internas no âmbito da educação; fiscalizar os recursos destinados à educação; discutir, acompanhar e avaliar ações, programas e projetos que nos dizem respeito; articular os professores (as) para a tomada de decisões; promover, organizar e planejar encontros nas diversas aldeias; acompanhar, avaliar e garantir o desenvolvimento do projeto político-pedagógico das nossas escolas; participar de todos os eventos na comunidade.

A Organização dos/as Jovens Indígenas Truká (OJIT) - a coordenação é composta por dez jovens da comunidade. Tem como atribuição articular a juventude para discutir assuntos de interesse específicos, acompanhar as lideranças nos movimentos, articular-se com jovens de outros povos e propor atividades de formação e lazer.

A Associação - temos 4 associações para elaborar projetos de desenvolvimento econômico, de sustentabilidade do povo. Precisamos das associações porque o estado brasileiro não reconhece a nossa forma de organização própria, então temos que criar associações para nos adequar à burocracia do governo no que diz respeito a esses tipos de projetos.” [1]

[1] Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire, (no prelo)

3- Festas, rituais, mitologia, calendário religioso e história

a) História

A aldeia Truká na ilha de Assunção, que leva o mesmo nome do lugar onde está situada, foi fundada por Cirílo dos Santos e Acilon da Luz, quando o ex-cacique Acilon Ciriáco foi convidado pelos encantos (espíritos encantados) através de um sonho. Passado o estado de paralisação, Acilon ficou conhecido como aquele que iria reunir novamente o povo Truká, descendentes de Kariri.
Desde pelo menos o século XVIII, esse povo teve suas terras apropriadas por poderes municipais, eclesiásticos e posteriormente estudais.
Em meados da década de 1970 os Truká pressionaram a FUNAI para a retirada dos invasores e a garantia de suas terras junto ao Governo estadual. Apenas em 1984 por parte da União, vem o reconhecimento de seu território, e a partir da década de 90 reocuparam parte de seus antigos territórios.
Na luta pelos seus direitos, desde o século XVII, os descendentes de Kariri, que hoje totalizam cerca de 3.800 indivíduos, enfrentam problemas quanto ao direito de permanecerem em suas terras, e são vítimas principalmente do preconceito tanto das autoridades quanto dos moradores da região.


b) Rituais

Faz parte da vida do povo o costume de fazer retiro e receber os encantos. Estes encantos são espíritos de luz que ajudam o índio a adquirir sabedoria. Para os Truká, é na bebida da Jurema durante o Auricuri, que mora todo esse mistério, pois é através deste ritual que o contato com seus encantos é estabelecido. Assim, o ritual é realizado as quartas-feiras e sábados, com o auxilio dos juremeiros.
Na religião, assumem a identidade católica e têm como protetora de seu povo a Nossa Senhora da Conceição, que na tradição indígena é a Rainha das Águas. O Toré, também conhecido como “folguedo dos índios” consiste na reunião de um grupo de cantadores, dançadores e assistentes que se encontram num terreiro para “se divertir”. Esse ritual tem uma fundamental importância no reconhecimento da própria identidade enquanto indígena e pode ser transportado para qualquer lugar ou situação.




c) Calendário do Tempo, Religioso e Festivo do Povo Truká

“O povo Truká durante todo o ano tem um tempo cheio de diversas atividades, as mesmas ligadas a sobrevivência Física, Cultural e Religiosa. Este calendário diz um pouco do que acontece de mais importante para o povo.

Janeiro: tempo da colheita de manga, acerola, coco e banana;
Plantio do Arroz;
26 – Retomada do início da Ilha;
Fevereiro: Tempo de chuva, água barrenta e pescarias;
Março: Comemoração da Semana Santa e caminhadas penitentes.
Plantio de Milho;
Abril: Comemorações da Semana dos Povos Indígenas;
Maio: Novenário de Maria;
Comemoração da Retomada da Ponta da Ilha;
Junho: Grande colheita de arroz e milho;
Festejos Juninos;
Julho: Fim da colheita de arroz e milho e início da colheita de feijão e cebola;
Agosto: Novenário da padroeira do Povo Truká, N.S. Rainha dos Anjos;
Setembro: Comemoração da Retomada da Caatinga Grande;
Outubro: Plantio do feijão de corda;
04 – S. Francisco de Assis;
31- Romaria a Juazeiro de Pe. Cícero;
12- N.S Aparecida e das crianças Truká;
Novembro: Missa de finados e todos os santos;
Dezembro: Plantio da Cebola;
Festejos para N.S da Conceição;
Morte de Acilon Ciríaco da Luz;
Morte de Antônio Cirilo dos Santos;”[1]


[1] Professores e Professoras Indígenas em Pernambuco. Caderno do tempo. Centro de Cultura Luiz Freire, Olinda, 2002.

4- Saúde, Educação, Escolas, Escolarização, Serviços oferecidos pelos municípios;

a) Saúde


Os distritos sanitários nas áreas indígenas são chamados de “Distritos Sanitários Especiais Indígenas” (Dsei). “O Dsei é uma unidade organizacional da Funasa e deve ser entendido como uma base territorial e populacional sob responsabilidade sanitária claramente identificada, enfeixando conjunto de ações de saúde necessárias à atenção básica, articulado com a rede do Sistema Único de Saúde - SUS, para referência e contra-referência, composto por equipe mínima necessária para executar suas ações e com controle social por intermédio dos Conselhos Locais e Distrital de Saúde.Os territórios distritais foram definidos num processo de construção com as comunidades indígenas, profissionais e instituições de saúde. A definição destas áreas se pautou não apenas por critérios técnico-operacionais e geográficos, mas respeitando também a cultura, as relações políticas e a distribuição demográfica tradicional dos povos indígenas, o que necessariamente não coincide com os limites de Estados e/ou Municípios onde estão localizadas as terras indígenas.”[1]

[1] http://www.funasa.gov.br


“Existe hoje no nosso povo a conciliação da medicina alternativa e a
medicina da farmácia. O uso das plantas medicinais ainda é feito pelos
mais velhos, pois acreditam que termos a nossa medicina é de grande
valia.”[1]


[1] Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire. (no prelo)

b) Educação, Escola e Escolarização

A educação acontece em todos os momentos da vida em comum, é através dela que preparam suas crianças dentro de seus costumes e tradições que especificam e singularizam o Povo Truká. Desde muito cedo a criança aprende a dançar o Toré e que este é indissociável da sua identidade indígena. Ela aprende vendo seus pais e os mais velhos da aldeia, e estes ensinam os mistérios da natureza e da importância da terra, pois “a terra é a raiz dos índios Truká”. A escola também se faz presente, e possui um currículo diferenciado pensado diante das especificidades deste povo. “É através da escola que aperfeiçoamos e organizamos aqueles conhecimentos [...] A escola sendo diferenciada com professores índios ensinando nelas, fica um trabalho mais envolvido com maior compromisso facilitando o engajamento entre o professor e o aluno, pois há uma ligação muito forte com a origem e identidade de ser índio, possibilitando esse desenvolvimento tão sério que compromete desde aspectos dos rituais, até a confecção dos nossos instrumentos que nos identifica.”

5- Interação com os municípios, políticas públicas, vida política/câmara municipal;

“Durante o processo de (re)conquista do nosso território sofremos muita
discriminação por parte da sociedade envolvente que é presente até
hoje. Quando os jovens vão estudar na cidade de Cabrobó, as pessoas
nos chamam de ladrões de terra, negam a nossa identidade porque não
correspondemos ao imaginário que eles têm de índio, como aquele que é
selvagem, anda nu, tem cabelo liso e pena colorida na cabeça.
A sociedade é muito desinformada sobre os povos indígenas. Durante
500 anos exigiram que nós fôssemos iguais a eles e agora querem exigir
que sejamos como há 500 atrás.”[1]

[1] Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire. (no prelo)

6- Fontes bibliográficas, documento, iconografia;

Bibliografia

v http://www.socioambiental.org
v Atlas das Terras Indígenas do Nordeste, PETI - projeto Estudo sobre Terras Indígenas no Brasil , 1993, rio de janeiro Brasil
v BRASIL. Governo do estado de Pernambuco. Povos indígenas de Pernambuco. Recife, Secretaria de Educação e Esportes, maio de 1998.
v Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire, (no prelo)


SILVA, Edson.. Índios organizados, mobilizados e atuantes: história indígena em Pernambuco nos documentos do Arquivo Público. Revista do Arquivo Público Estadual de Pernambuco/APEJE. Recife, 2006 (no prelo).
______. História indígena no Nordeste: "os caboclos" que são índios. In:___. Portal do São Francisco. Revista do Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco. Belém de São Francisco: CESVASF, 2004. Ano III, nº 3, p.127-137.
______. Povos indígenas no Nordeste: contribuição à reflexão histórica sobre o processo de resistência, afirmação e emergência étnica. In___. Revista CEPAIA: realidades afro-indígenas americanas. Salvador: UNEB (Universidade do Estado da Bahia), 2002. Ano 2, n° 2/3 jan./dez., p.105-109.
BARROS, Eliana. "Eu já vi água ir embora, com natureza não se mexe (...), eu já vi água ir embora”: os Truká, “grandes projetos” e o sentido da territorialidade no exercício da cidadania indígena contemporânea. Recife, UFPE, 2008. (Dissertação de Mestrado em Antropologia)
BATISTA, Mércia R. R.. Descobrindo e recebendo heranças: as lideranças Truká. Rio de Janeiro, UFRJ/Museu Nacional/PPGAS, 2005. (Tese de Doutorado em Antropologia Social).
____________________. De Caboclos da Assunção a Índios Truká: estudo sobre a emergência da identidade étnica Turká. Rio de Janeiro, UFRJ/Museu Nacional/PPGAS, 1992. (Dissertação de Mestrado em Antropologia Social).
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO. (Brasil). Estudo Etnoecológico Terra Indígena Truká (relatório parcial). Brasília,2005.
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Truká: violência, impunidade e descaso. Série 500 anos de resistência. Recife: Recife Gráfica Editora S.A., 1992
OLIVEIRA, João Pacheco de. (Org.). A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena. Rio de Janeiro, Contra Capa, 1999. .
CCLF:
Ø BRASIL. Governo do estado de Pernambuco. Povos indígenas de Pernambuco. Recife, Secretaria de Educação e Esportes, maio de 1998.
Ø Professoras do Povo Truká, Ilha da Assunção, Cabrobó, Pernambuco. No reino da Assunção, reina Truká. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire, (no prelo)
Ø Professores e Professoras Indígenas em Pernambuco. Educação indígena se aprende mesmo é na comunidade. Centro de Cultura Luiz Freire, Olinda, s/d.
Ø Professores e Professoras Indígenas em Pernambuco. Caderno do tempo. Centro de Cultura Luiz Freire, Olinda, 2002.
Ø Professores e Professoras Indígenas em Pernambuco. Meu povo conta. 2ª ed. Olinda, Centro de Cultura Luiz Freire fevereiro de 2006.