05 julho 2008

POVO PANKARARU

De acordo com os dados censitários da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Pernambuco, a população Pankararu é de 4.850 indivíduos distribuídos em treze aldeias. É uma população que sofre, como todos os sertanejos-camponeses, do impacto das secas cíclicas e dos movimentos climáticos do semi-árido nordestino. As terras dos Pankararu localizam-se entre a Serra Grande e a Serra da Borborema, próxima às margens do Rio São Francisco, no limite dos municípios de Petrolândia, Tacaratu e Jatobá. Desde 1931 os Pankararu encontram-se em um contínuo processo de negociação com o Estado sobre suas terras e na busca de projetos econômicos de subsistência. Todavia, os Pankararu só foram reconhecidos pelo Estado brasileiro em 1938 e, assim como os demais povos indígenas de Pernambuco, passaram por momentos históricos de dificuldades e conflitos fundiários.
Segundo Cunha (1992), a Lei de terras do império de 1850, permitiu a incorporação das terras de índios que viviam dispersos e posteriormente sua redistribuição. Essa redistribuição das terras indígenas provocou uma dinâmica de reorganização dos espaços territoriais em todo sertão de Pernambuco. No entanto, em 1857 a comissão de demarcação das terras públicas, quando inicia o processo de expropriação das terras indígenas, ainda registra o aldeamento de Brejo dos Padres, como lugar histórico e social de referência para os Pankararu.
Apesar da tradição oral dos Pankararu relatar que suas terras, quatro léguas em quadro de terra (aproximadamente 24.000 ha.), foram concedidas pelo Imperador Pedro II e dos inúmeros registros em documentos oficiais que confirmam a doação, as terras Pankararu só foram identificadas em 1940 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), porém, das quatro léguas reivindicadas, apenas 14.294 ha. foram reconhecidas como terra Pankararu. No entanto, apenas 8.100 ha. foi demarcada em 1996, e recentemente, em 2003 foi iniciado o processo de demarcação do restante, ou seja, 7.800 ha (Athias, 2002). Ainda nas palavras de Athias (2002), um outro fator de conflito relacionado às terras Pankararu foi a construção da Usina Hidroelétrica de Itaparica, que viria proporcionar novas invasões por não-índios nas terras Pankararu e acirrar os conflitos agrários na região, nas décadas de setenta e oitenta. As cidades de Petrolândia/PE e Glória/BA foram atingidas diretamente. Tiveram seus núcleos urbanos totalmente submersos e mais de cinco mil famílias de trabalhadores rurais desalojadas na região. Foi esse movimento populacional que fomentou as mais recentes invasões na Terra Indígena. Em 1984, um Grupo de Trabalho da FUNAI foi enviado à área para promover estudos para identificação e levantamento fundiários. Este trabalho constatou, além da continuidade dos conflitos pela posse da terra, a estimativa da presença de 540 posseiros. A terra então foi demarcada com 14.294 ha. (excluindo uma faixa de terra para expansão da cidade de Tacaratu, com aproximadamente 106 ha.), ratificando assim parte da doação de quatro léguas em quadra para os índios e corrigindo a alteração realizada pelo SPI (Serviço de Proteção aos Índios) em 1940, que havia reduzido a área.
Aqui é importante lembrar a discussão acerca da problemática da terra, especificamente no caso dos índios no Nordeste e em todo o Brasil, porque reflete a capacidade que a terra possui no intuito de assegurar a sobrevivência e a continuidade étnica destes povos. Assim, a terra é de extrema importância na organização social dos Pankararu.
Nesse sentido, Athias (2002) chama atenção de que os Pankararu se distribuem basicamente segundo duas classificações, os troncos e as aldeias, ambas relacionadas com a organização das famílias.Quando falam “tronco” ou “ramas” estão indicando uma classificação histórica do aparecimento das famílias, porém quando se referem às aldeias está nitidamente embutido no discurso uma classificação espacial das famílias.
A classificação dos grupos de famílias em status diferentes, através da sua ligação a “troncos” familiares que se dividem entre os antigos e os recentes, opera uma dicotomia básica entre aqueles que descendem de índios “puros” e os que descendem de índios “misturados” ou “braiados”, em referência a uma forma de organização que é mais histórica que estrutural, já que não correspondem a qualquer produção de segmentações, classes ou linhagens (Arruti, 1996). Dessa forma, a classificação de uma família está diretamente vinculada ao convívio social cotidiano. É este convívio que influencia na definição das famílias a quem se pede ajuda, a quem se acompanha nas definições políticas, com quem se planta, perto de quem se mora e com quem se compartilha a comida e o trabalho da “farinhada”.
Assim, a organização das famílias está diretamente ligada à disposição espacial das casas que se distribuem segundo duas maneiras: agrupadas lado a lado, ou em grupos de casas de uma mesma família, cuja disposição tende à forma circular (Athias, 2002).


Entre os principais rituais e festas celebradas nas comunidades Pankararu podemos citar o Atucá, um ritual onde os mais antigos e entendidos membros do grupo bebem ingerem uma bebiba chamada Jurema a fim de entrar em dialogo com os encantados, que na crença dos Pankararu são seres sobrenaturais que quando invocados protegen e aconselham os Pankararu.
Em seguida podemos citar o ritual do menino do rancho que, embora receba a conotação de “festa” pelos Pankararu, pode aqui ser mais bem definida como um ritual, pois esta festa é também um rito de passagem onde os mais jovens são introduzidos nos segredos dos Pankararu.
O Toré também é um importante ritual dos Pankararu. O Toré é tido como uma “brincadeira” pelos Pankararu, por ser uma festa que reúnem todos os participantes do grupo, além dos mesmos também terem liberdade de tocar e cantar qualquer uma das músicas Pankararu sem nenhuma restrição.
Por último se destaca a festa do imbu que além de ser um evento ritualístico, onde importantes rituais são realizados (entre eles podemos citar a noite dos passos, o flechamento do imbu e a queima do cansanção), também pode ser considerado uma festividade, já que no final deste mesmo evento vários rituais coletivos e aglutinadores ocorrem a fim de que todos cantem e celebrem em conjunto como ocorre no Toré.
Entre os principais políticas de serviços de saúde oferecidos pelo poder púbico aos Pankararu podemos iniciar citando a implementação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) um subsistema do SUS (Sistema Único de Saúde). Inicialmente discutidos em 1993 na segunda CNSPI (Conferência Nacional de Saúde para os Povos Indígenas) pelos movimentos indígenas e pelos profissionais na área de saúde a atuar com esses povos. Porém, somente em 1998 através da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) os 34 DSEI foram implantados. No mesmo ano também foi criada a Associação dos Profissionais de Saúde Pankararu (APROISP).
Em abril de 1999 após amplas reuniões no terreiro do cacique João Binga com diversas lideranças das treze principais aldeias Pankararu, juntamente com os profissionais da área de saúde, ficou decidido que as próprias comunidades deveriam acompanhar as formas de organização dos serviços de saúde a fim de garantir a plena autonomia dos mesmos, e em dezembro do mesmo ano foi criado o conselho nacional de saúde, onde foi apresentado a FUNASA o planejamento das ações de saúde para cada área especifica. Em Pernambuco o Conselho Local Pankararu, além de ter sido o primeiro a ser implementado foi também o primeiro a ser o centro das negociações a respeito da implementação do DSEI-PE. Atualmente o DSI-PE compreende um total de dez etnias indígenas.
No que se refere à vida política, a interação com os municípios vizinhos e a negociação de políticas públicas dos Pankararu podemos dizer que a dinâmica de suas relações políticas traduz as tensões existentes nas diversas aldeias. Além disso, o fato das terras Pankararu estarem localizadas nas áreas de três municípios, Petrolândia, Tacaratu e Jatobá, também contribui para esse quadro.
Podemos enumerar as principais queixas das lideranças indígenas no que se refere à saúde, por exemplo: 1) as contratações que seguem as políticas das prefeituras locais, aumentando a distância das ações entre o vínculo empregatício e a coordenação técnica; 2) o não cumprimento dos horários de trabalho nas áreas indígenas; 3) a maneira discriminatória como os índios são tratados na rede municipal de saúde, por parte do pessoal médico e, por fim, 4) a autonomia dos conselheiros locais de saúde, que estipulam políticas sem que haja um maior dialogo entre eles e as lideranças indígenas.
Entre os Pankararu, o cacique é visto como a pessoa que busca recursos para sua comunidade, enquanto que os pajés ficam responsáveis pelos rituais e cerimônias religiosas. O embate de forças políticas entre os Pankararu se dá, principalmente, nas reuniões dos Conselhos Locais. Nesta instância situam-se as principais pautas e as negociações entre os diversos grupos ou facções locais. Essas reuniões se tornaram importantes, pois decidem onde, e em qual aldeia, se situará um novo posto de saúde, por exemplo, ou como serão alocados os recursos em determinadas áreas.
No entanto, fica explicito o pouco dialogo entre os índios e os órgãos responsáveis pela implementação dos serviços de saúde e de outras políticas públicas, pois os índios são levados a discutir segundo as regras que regem o processo mais amplo, sem que estejam a par destas regras.




Bibliografia
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